sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Separados Pela Linguagem - Parte IV - O que o desejo quer de mim?

Leia antes a postagem da semana passada:


Mestre Bhava: Separados Pela Linguagem - Parte III - O desejo


O que o desejo quer de mim, quer do fantasma? Quero dizer que a vida não é mítica e nem "espiritual" , ela é fantasmática, a nossa Alma é um fantasma da letra. Ela se fez pela letra e desaparecerá por ela. Todas as nossas escolhas são alienações na cadeia fantasmática, tudo ilusão como diziam os sábios indianos.


O fantasma ou a Alma é uma construção no vazio, um falante que não sabe porque fala e age. Este fantasma, chamado pelos indianos de Jiva, uma alma sedenta de sangue, isto é, sedenta de ser alguma coisa que lhe dê sentido. Sangue é vida e blá blá blá.


Ela não é nada sem o Isso, tudo que ela é , é um Isso, ou um aquilo, ou por causa disso. Vive em uma atitude sacrificial de se sacrificar por causa disso, por causa de um Isso, que ele não sabe o que é.


Resta ao fantasma a confiança no criador, pois ele deve saber a causa disso? O que quer de mim este desejo?


Mas podemos enquadrar este fantasma, podemos sim, podemos desejar não ter nascido, não ter nascido para Isso, me compreende? Podemos por um fim a este encadeamento fantasmático, fazendo um voto de não nascido. Não é um negar-se, mas por fim ao Isso como a massa encadeante do nosso desejo, um fio de significantes prontos para nosso uso. Usar a Matrix da mesma forma que ela nos usa, vendo claramente o que o Isso quer de mim. O sacrifício da submissão.


Não sabemos exatamente o que ele quer, sabemos que ele quer minha aniquilação, lenta, branda, longa e extensiva, até que as minhas forças mentais se esvaiam por completo e eu aceite um Isso, como salvação. 


O voto que fazem os Tantricos da Índia antiga era este voto de não ter nascido, quebrando a ditadura da letra, de um Isso - Sannyas. Este voto é a unica saída lógica da alienação, em um desejo de um Isso que me sujeita a algo, alguém, alguma coisa, tempo ou espaço.


O Jiva, o fantasma, ele se ata no encontro , na busca da experiência de buscar sentido e criar uma aparente coerência entre o que o desejo quer de mim e do outro, dando a vida um ritmo, já lhes falei do ritmo, e de sua trampa homogênica.


Então está descoberto, o desejo que o gozo busca é um desejo compartilhado, um Isso, que me destaque de todos, mas me mantenha no rebanho. Para isto servem os elogios, o outro me mantém na coleira universal, o Isso. Por isto fugimos de um Gozo servidor, ele nos mostra que o Isso, é um fantasma, e o que o seu desejo quer de mim, é impedir minha emancipação!


Se o desejo é justamente o que me boicota como Consciência, me embaralha com a realidade, me coloca em um lugar na cadeia de significantes. Não posso calar a cadeia de significantes, nem posso negá-la, sou impotente, quem fala, age, pensa, é o Fantasma, pela letra.


Sabendo que o que o desejo quer é o meu sacrifício, em troca ele me dá a possibilidade de Gozo, de ser alguma coisa, de ser alguém - para os outros.A moeda de troca é o Isso.


Não posso negar o Isso e nem ser cego e aceitá-lo, mas posso pelo voto de não ter nascido, poder ter as duas coisas.


O Isso e Eu, posso ser biunívoco, viver pelo Sannyas! Sempre ao lado, veja bem a expressão, Samadhi, significa estar ao lado, junto à Consciência.

Ao lado, ali, sendo um fantasma, que pelo Isso, é a Consciência e não é ao mesmo tempo!


Vejam bem leitores que eu não disse "O que o Fantasma quer?", e sim, "O que o desejo quer de mim?"


Veja que não há  um Desejo do Sujeito e sim um Sujeito do Desejo, este, é o Fantasma, o Jiva, é sobre ele que falaremos, sob esta perspectiva!


Final da parte IV.



A inversão entre o Desejo do Sujeito e o Sujeito do Desejo, coloca o Desejo como ontologia do Sujeito, como origem e fim.


Esta operação, a inversão da causa, que passa o Sujeito para a posição de produto do Desejo, de  letra, e de cadeia significante, ou se desejar - o Ser. Este é o Ser. Ele não pré existe, ele é produto da intervenção de um outro, entre a Mãe e o futuro sujeito, ali, quando há o corte, a intervenção, feita pela campainha, no meu exemplo foi a campainha que tocou e fez a Mãe retirar o bico do seio da boca, do seu filho, e isto representa um corte, se assujeitar a um poder maior, o tal Nome-do-Pai.

Ali nasce alguém, um sujeito que vem do desejo de não ter sido interrompido, cortado, ou castrado. O desejo é o Medo, Medo da castração. Mascarada pelo Isso, por um sentido no mundo, a letra, as palavras, “A Campainha tocou”, são o Isso do mundo, o nosso link intersubjetivo com todos e conosco. Esta ultima afirmação é que é Capital, o “conosco” é aí que fraudamos o Real e criamos uma existência subjetiva para nós, um SER. O nosso Fantasma, daqui para frente eu o chamarei pelo nome que os pioneiros desta investigação lhe deram – Jiva.

Não há problemas na relação com o Isso, ele representa para nós o que representa para todos, pense bem. Todos vivemos sob esta mesma lei, a ditadura da letra. Esta estrutura vai bem, na infância, e na adolescência começa a dar sinais de que não dará conta de ser, e depois na fase adulta, em que aceitamos o jogo, temos que fazer o jogo, inclusive para nós mesmos, pois é como pensamos, elaboramos, e temos um sentido na vida.

É esta representação para nós é que é falha, pois submete o Isso a uma categoria, que intersujetiva, que é de todos, perceberam? Tornamos assim o Isso no nosso desejo, algo nosso, como se ele não fosse anterior, como se ele não fosse compartilhado com todos, este é o Eclipse da Consciência e o nascimento do Jiva.

Desta forma, é que o Jiva, é a negação da Consciência, do Todo, pela parte, quando tornamos o Isso de todos em algo nosso, o seu desejo. É, aí que ele vive, é aí que ele se faz pela letra, pela linguagem.

É aí que o que representamos para nós com sendo nosso, exclusivo, pessoal, se faz pela letra, pela mesma letra do outro, exatamente isto é o Isso.

Logo não podemos nos representar, não podemos existir subjetivamente, e exclusivamente, enquanto usarmos do mesmo meio, que os demais usam. Não podemos nos representar realmente.

Então, estamos diante da Biunivocidade, a representação para os outros, e para nós mesmo.

Cada palavra, cada pensamento, tem dois lados, o lado do Jiva que representa para o mundo e o em que ele é representado pela Consciência. 

Ele representa o Desejo, e não ele mesmo, isto quando ele sabe que é representado pela Consciência. Este é o ponto.

Desta forma o Jiva é o Sujeito do Desejo e da Consciência. Biunívoco.

Logo, eu (Jiva) falo pelo Isso, para a sua Consciência e você fala pelo Isso para a minha Consciência, mas as duas, são e serão sempre a mesma Consciência! 




Da mesma forma que uma foto termina na sua borda, a letra termina com o tempo, o tempo cala a letra pela borda do eterno. O espaço da borda limita o campo e o tempo limita a linguagem. Isto significa que o Jiva vive de partes, de um ponctum no tempo, e aí lhes início em outro termo, é o que significa este Ponctum, Bija.

Simbolizado por um ponto, o Bija é o momento em que o Jiva existe no tempo. O Jiva é um ponto na grinalda de letras do alfabeto da existencia, ou seja, o Jiva é Bindu das Mátrikas, esqueci desta palavra mátrika. Ela é a letra viva, dita, pensada e falada. Bija é uma conta do rosário, no Japa-Mala da vida. Cada Bija é um Jiva, ligado a outro pelo mesmo fio, pelo mesmo sentido de ser, pelo Isso. Isto é a cadeia fantasmática, de Jivas.

Não sei se estou indo rápido demais, mas é isto. 


No momento em que cada Jiva existe, ele também é Consciência. Logo, o Bindu representa o Jiva e a Consciência.

Podemos já... ir deduzindo que o Jiva evolui, se transforma pela cadeia fantasmática do Japa Mala da vida, sendo uma pessoa diferente, mudando todos os dias, melhor dizendo; mudando todas as noites, pois é o sono e os sonhos que fazem esta adaptação.

Se o Jiva não mudasse ele seria a Consciência, o EU. Ele se transforma na cadeia de significantes pois está sob influência do fenômeno, que o faz ser pela letra, pelo Isso e não pela Consciência. Exatamente este fenômeno que o faz evoluir, que é chamado de  Kundaliní.

O Jiva tem o poder de tomar as letras e delas criar mundos, enfim, falar e pensar. Mas o fenômeno Kundaliní as desfaz e o aproxima de sua natureza Real - dele ser o mesmo em todos os outros. Por isto Kundaliní desfaz o alfabeto, é a engole letras, ela  ilumina o Jiva, o leva para uma viagem através das suas imagens e símbolos. E pelo sonho e sono o devolve, são. Faz a sua cura diária. Se assim não fosse todos nós enlouqueceríamos em uma semana.

A idéia do Tantra é esta, fazer este poder, fazer este fenômeno agir. E agindo ele repara o Jiva e o coloca junto a Consciência novamente.

Então, quando Kundaliní dorme o Jiva acorda e quando o Jiva acorda Kundaliní dorme.

Portanto, o caro leitor, pode agora, entender o que significa a Biunivocidade.

Um comentário:

  1. Muito rico, e uma iniciação para quem desconhece o assunto, e melhor, para quem desavisadamente tenta entender o Tantra por curiosos e leigos, que não sabem o que significam os termos em sânscrito.



    Amanda

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