terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Separados pela Linguagem - Parte VI - Shiva, a Eudade

Antes de Ler, leia a Parte V




Se é o desejo que(m) faz o sujeito, é ele que pode ser categorizado. O objeto que vem do desejo é um sujeito, um Fantasma gozante, o Jiva. E, como veremos, é a sua posição o que marcará como, e por que este sujeito age.

A tese de que o sujeito seja uma Alma e que contenha nela uma essência, um núcleo espiritual, e em contraponto o desejo seja uma vontade, adquirida ou herdada, que lançaria este sujeito ou Alma em uma confusão existencial, bem esta tese cai completamente quando este sujeito , é ele mesmo o produto do desejo. Logo não existe objeto filosófico algum, que não seja o próprio sujeito como desejo, produzindo um objeto como se não fosse ele mesmo, o criador. Uma vez ultrapassada esta dificuldade inicial, em que o objeto representaria algo, que não fosse nem o desejo e nem o sujeito ou a Alma, podemos concluir que as relações e análises em que tomamos um objeto separado do sujeito, como um conhecimento, são alienantes.

A Alma é o fantasma em uma posição que nos engana ao produzir um discurso que não marca a sua posição exata. Assim não sabemos as causas e nem os motivos desta Alma buscar um gozo através do seu próprio discurso, uma vez que seu discurso não se sustenta na realidade, não dá conta dela.

É justamente esta incapacidade da Alma em ser a Consciência, que a coloca como um sujeito incapaz de assumir sua posição real, que não seja intermediada pela linguagem. Entretanto ao usar uma linguagem ela transfere seu si mesmo, como desejo para uma localização entre ela e os outros. Como todas as Almas agem pelo mesmo princípio, é este pacto mudo, sempre ausente, que ao mesmo tempo em que nos dá a possibilidade da comunicação entre nós, nos transfere a incapacidade de contradizer a nós mesmos.

Em linhas gerais todos nós nos beneficiamos do mesmo princípio: sermos intermediados pela linguagem como se fossemos nós a falar e pensar, e ao mesmo tempo ter que dar conta de uma relação com si mesmo, onde não há linguagem, onde o Signo não necessita de codificação. O Gozo como aproximação de si mesmo, mas intermediada por uma linguagem entre nós, nos aproxima da mesma Consciência, do outro, que é a mesma Consciência em nós, fechando um circuito com o si mesmo, através do outro. É gozo por que se deu através de um outro.



O Gozo é uma aproximação do Jiva,da Alma, da Consciência. Esta Consciência que é Perfeita, Benevolente, e aí introduzo para vocês um conceito novo, e que talvez você já tenha ouvido por aí, esta Consciência Benevolente, é chamada de Shiva, no Tantra.

Esta aproximação sempre se dá através do outro, pois não há como a Alma se relacionar com a Consciência que está junto a si, pois para isto a linguagem é insuficiente, o signo já faz isto diretamente entre a Alma e a Consciência. A estrutura do Gozo pede que se faça isto através de um outro, real ou imaginado. Mas é sempre um outro que outorga o encontro com o si mesmo.

           

Esta Eudade, Shiva, é o Grande Outro, designado por Lacan como o Outro. O Outro que é o mesmo nosso de todos nós.

A Consciência é uma Eudade, é o Eu, o mesmo Eu em todos nós, assim temos o outro e o Outro. O outro é a referência a outra pessoa, outra Alma, e o Outro, grafado com O maiúsculo é o Eu neste outro, o mesmo Eu em nós.

Shiva, a Consciência, é a Eudade, um eu que é perfeito para ele mesmo, uma eudade, a Eudade é a única entidade que não é fantasmática em todo o Universo.

A Eudade, Shiva para os Hindus, a Consciência, são o mesmo princípio. Princípio que não precisa se relacionar consigo mesmo, sendo a única coisa igual em todo o Universo, pois sendo a mesma coisa não precisa de si mesmo, e por isto é Eudade, Consciência ou Shiva.

Nós, como Fantasmas, precisamos ser para nós subjetivamente (para a Eudade) e precisamos ser para os outros objetivamente, vejam que nós como Jiva, como Alma, não podemos ser subjetivamente para o outro, se tentamos ser subjetivamente, seremos pelos meios objetivos, pela linguagem!

Nós fantasmas, nós Jivas, estamos separados pela linguagem!



Toda comunicação se dá por um código, código este aprendido pela cultura, e na relação com o outro utilizamos este código como linguagem. Na relação com si mesmo esta Alma precisa usar deste mesmo código, intermediado pela linguagem, como pensamento. Não podemos ser subjetivamente para o outro sem um código estabelecido, sem uma linguagem. Então toda relação é objetiva, mesmo que não pareça ser. Se este código foi aprendido e desenvolvido para dar conta de estarmos separados por uma linguagem, e esta separação é justamente a possibilidade de conhecer um aspecto de si mesmo, quero dizer, de conhecer a Eudade no outro, temos um cenário, que é biunívoco, é pelo outro que entramos em contato com a Eudade em nós. E naturalmente vem a questão se podemos ter este contato com a nossa Eudade pelo outro, porque não podemos ter diretamente em nós? A resposta é enigmática, nós estamos barrados, pois o código estabelecido foi para a relação entre nós, ela é cultural. A linguagem separa a mesma Eudade. Então na tentativa de uma relação subjetiva com a Eudade em si mesmo, a linguagem, o código estabelecido entre as Almas não serve.


A Eudade, Shiva, já é subjetivamente para ele, pois ele foi a Primeira Eudade, não havia outra, não havia para quem ser, isto é ontológico, não é milagre, é matemática. Só há uma Eudade, uma Consciência.

É debaixo deste fenômeno que nós estamos. A Consciência primeiramente foi subjetivamente para ela, se representou pela benevolência, logo, ela.... não é benevolente, ela foi, pois era para ser para ela mesmo!

Não havia separação, pois não havia outro.

A Eudade não precisa ser para ninguém mais, ela é a mesma coisa, é idêntica em todas as Almas, Não havendo nada além da mesma Eudade não existe nenhum conflito ou atração entre ela mesma, aí a benevolência é este estado mútuo, não existindo outro no Universo. Se imaginarmos uma Eudade que se divide em duas e depois em três etc, perdemos o processo, pois a primeira Eudade não necessita de dividir. Então ela não de dividiu, não vive no tempo/espaço.

O Tantra rejeita a metafísica e a criação, e adota o Emanacionismo a partir do Um, desta forma as práticas espirituais tem que levar em conta esta realidade e não outras vias de interpretação.

Shiva não é um Ser nem uma Entidade, é a Eudade que origina o Universo, é este mesmo Um que a todo momento se manifesta tanto para si mesmo como para os demais, subjetivamente e objetivamente, criando uma cadeia de eventos. Um que continua a ser bom para ele mesmo, e daí os desdobramentos lógicos e psicológicos desta Biunivocidade e suas várias possibilidades.

Este EU original, um princípio de Consciência, continua sendo UM, como subjetividade entre si mesmo, e como objetividade, entre as Almas. Logo não há uma produção de EUs iguais a partir do Primeiro Eu, o Eu, a Consciência é a mesma, sempre foi e sempre será a mesma. Assim o Eu de cada um de nós é o mesmo Eu original, como Principio de Consciência, portanto este emanacionismo é aparente, este EU não mudou e jamais mudará, pois é o mesmo, sempre, não havendo a necessidade de ser outro. Logo, este Eu está presente e ausente em todas as estruturas do universo, na matéria, como Unidade alheia ao espaço/tempo, portanto imutável.

Um átomo, uma partícula sub atômica, ou em uma galáxia, há o EU, cujo fundamento é a imutabilidade, mas em cujo campo as transformações são possíveis. Desta forma não existe uma evolução do EU, nem mesmo sua criação, ele não é um evento, é um Ser que é eterno, imutável. Nem mesmo de Deus podemos chamar a Consciência, pois um Deus cria, interage, e neste caso é sua presença como imutável, que produz a matéria e conseqüentemente a psique. Assim esta consciência, este EU já existia muito antes da matéria e da psique, existia e continuará existindo da mesma forma – imutável.

O que é isto? Com o que estamos lidando? De que é feito? São perguntas feitas pela razão que tenta entender este fenômeno chamado de Consciência. A matéria e seus fenômenos absurdos, e a psique como a construção de um si mesmo, que se nomeia, como ser e produz um conhecimento, tanto sobre a matéria como a física e sobre si mesmo como a psicanálise, são eventos secundários da Consciência. Hoje a física quântica mostra que a matéria não é um fenômeno isolado de nós, basta observarmos a matéria e ela reage a nossa observação produzindo outros eventos.

           

Eu posso ser bom para mim e ser mau para o outro,também posso ser mau para mim e bom para o outro, veja que ser "mau" não é ser mau, mas sim, não ter o mesmo julgamento. O outro é a introdução do terceiro e sobre isto que vou lhes falar.

Basicamente temos duas posições: Sou bom para mim e não uso da mesma medida com o outro, então sou “mau” para o outro, esta é a via perversa. A outra via é quando sou injusto, “mau” comigo, e bom para o outro, e assim sou neurótico. A diferença é lançada no outro ou ela é lançada em mim. Jamais na Eudade.

A realidade como ela se apresenta para nós nos deixa uma via dupla de interpretação tanto de si mesmo como do outro. A Alma faz o papel de ser alguém, produto de uma cultura e de um grupo social como a família. Mas na relação com o outro, se reproduz uma verdade Universal, biunívoca, em que aprendo ou ensino, ou em que sou neurótico, um aprendiz ou um mestre, um perverso. A Consciência, o EU, Shiva, é apenas uma presença, tudo que percebo é percebido pela Alma, pela ínfima parte que capturo da realidade, quando emano um saber ao outro e quando recebo o saber do outro. Tanto o saber da Alma como a matéria são lados da mesma coisa. Isto é a Biunivcidade, o Tan e o Tra. A expansão perversa e o retraimento neurótico.

Na posição Neurótica procuramos na Eudade do outro, um saber que complete a nossa incapacidade de ter acesso subjetivo a si mesmo, e na posição Perversa nós nos colocamos a serviço do Gozo da Eudade. 

Dois neuróticos, se colocariam os dois na posição de buscar na Eudade do outro a posição negada em si mesmos, e dois perversos os dois se colocariam a serviço do gozo da Eudade do outro.

As relações entre as Almas, são as relações da alteridade do saber, a intermediação produzida pela presença da mesma Consciência nas duas posições. Como fica barrado o nosso acesso a “nossa” Consciência, ao nosso EU, pois este acesso se daria por um código de linguagem, por um código da cultura, pactuado entre as Almas; mesmo que este acesso seja feito sempre de forma subjetiva, esta forma subjetiva não sacia a Alma, pois não produz um saber que possa ser levado ao outro. A solução é a co-participação, um saber que se completa no outro como a posição perversa e o saber que se completa em nós como a posição neurótica.

Este é o dilema Universal, e o amor é a alteridade das posições do par.

Portanto agora nós podemos voltar ao Gozo, que não é ser a Eudade, mas ser o mestre da diferença (e quem é o mestre da diferença? O Jiva, o fantasma). No Gozo parece que ganhamos algo, mas na verdade o que ganhamos foi o poder de ser para um outro, o Gozo goza na posição do outro, ele é a prova irrefutável da existência da Eudade.

Esta biunivocidade explica o comportamento cruzado na busca da Eudade, através do outro. Logo, existem dois meios de gozo. Pela Eudade no outro, e pela Eudade em mim mesmo. O saber ou o conhecimento é buscado no outro ou o saber é levado ao outro.

O gozo atende a posição criada por mim de biunívoca, pois se faz pelas duas vias, a da Consciência ou a Eudade no outro e pela Consciência ou Eudade em mim mesmo, como a  via Perversa e Neurótica. Na cultura oriental Shiva ensina a Shakti e Shiva aprende com a Shakti, confirmando a minha contextualização.

O conhecimento é a conexão subjetiva que fiz com minha Eudade, significada pela linguagem, então já objetiva, mas que não se mantém, pois quem age e faz é o Jiva, um produto, um resultado do Um e não o Um.

Ou preciso mostrar para um outro que fiz esta conexão comigo mesmo, ou preciso buscar no outro esta conexão.

Ora, quando temos uma experiência de si mesmo (de termos sido a Eudade) nós a perdemos no tempo, a ponto de ter que mostrá-la para o outro ou buscá-la no outro, temos os dois momentos que são lados do mesmo Jiva, a alteridade da biunivocidade.

Encerrando por aqui, pois a cabeça do leitor deve estar fervendo, posso então caracterizar o Gozo como a alteridade das posições.


Como Fantasmas, para sermos subjetivamente para nós, nós precisamos ser objetivamente para os outros. E ser subjetivamente para os outros para ser objetivamente para nós.

Está aí a Etimologia do Gozo - separados pela Linguagem. A moeda de troca é o Signo, vestido com uma letra que significou subjetivamente a Eudade, e um Signo nu, sem significação, que a busca na letra do outro.

Assim posso lhes revelar o significado de Signo como Falo, como o Linga no Tantra, o falo evanescente que produz o Gozo é o Signo representado por Freud como o Falo da castração Freudiana e como o Signo da castração em Lacan. O Tantra nos diz existirem três Lingas (falos), um físico, um emocional e um outro cognitivo, um ligado aos genitais, outro ao coração, emocional e um terceiro ligado a cognição. As necessidades da Alma como corpo, como emoção e transcendência.

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